sexta-feira, 7 de novembro de 2014

Incômodo: uma sociedade que não se permite plural

Ao contrário do que a propaganda insiste em afirmar, ser diferente não tem sido normal. Ser diferente tem sido motivo de escárnio, de indignação, de diferentes injúrias e diferentes formas de discriminação. E não me refiro às diferenças de raça, sexo ou gênero. A diferença que mais vem sendo atacada é a diferença de opinião.
As opiniões nunca pareceram incomodar tanto. Por alguma razão que só o tempo passado explica e o tempo futuro confirmará, vivemos uma época em que as opiniões alheias têm sido ora motivo de acréscimo de autoestima, ora motivo de execração do outro.
Nesses tempos atuais, as pessoas gozam na satisfação de ouvirem pensamentos que se assemelham ao seu ao mesmo tempo em que se encolerizam quando ouvem algo que não são capazes de considerar. Assim, a impressão que se passa é a de que estamos todos sempre armados, sempre preparados para o patrulhamento de pensamentos que não nos dizem respeito. E se nos insurgimos contra nosso “adversário intelectual”, raramente é com um intuito de paz ou de reflexão, mas apenas com uma tentativa (in)consciente de escorraçá-lo pelo simples fato de ter ousado falar.
O silêncio, pouco a pouco, vai tomando conta das pessoas. É cada vez mais raro acharmos quem fale o que pensa ou quem assuma um desgosto, quem confesse pecado ou um preconceito ou até mesmo uma vontade de que tudo seja ao contrário do que é e que a sua vida seja o contrário do que ele mesmo se fez... é cada vez mais improvável que alguém admita um pensamento que seja. A opinião pública “o suicidará”.
De repente o mundo virou uma grande vitrine em que somos o departamento de marketing responsável por convencer o mundo de que somos melhores uns que os outros. Somos pessoas físicas, cidadãos, pagadores de nossos impostos, donos do nosso direito, mas agimos como se fôssemos Pessoa Jurídica, dependente de menos juízo para que alcance uma melhor reputação. A opinião pública passa a ser tão relevante que nos envergonhamos de cada nuança de diferença que nos percebamos.
Mais do que nunca nos queremos a aparência de mais do que todos. Queremos “ser” (mais o certo é “parecer”) os mais devotados à nossa religião, os mais engajados à nossa ideologia, os mais participativos da nossa comunidade. Só que tudo isso só valerá, desde que sejamos reconhecidos como tal.
Como não queremos que vejam nossos defeitos e tememos que não se nos notem as nossas qualidades, corremos a alardear os defeitos alheios, a rebaixar o que é bem visto, menoscabar o que é autêntico, a vilipendiar a quem simplesmente se deixa ser. Logo, somos o primeiro inquisidor da maioria e nosso objetivo é o de que seja menos julgado por eles, julgando-nos a nós mesmos como “o grande maioral”.
Enquanto isso, a sociedade envelhece anos em poucos dias. Não há novo que resista à patrulha que não permite nada e condena tudo. Até há quem pensa, mas prefere calar; há quem queira, mas prefere conter e há tantos que sonham, mas não há coragem pra ousar.
E daí se um gosta do preto, outro gosta do branco, um gosta de mato, outro gosta de asfalto?
E daí se um fotografa o céu, se outro não repara a lua, um ouve música e alguém prefere o silêncio?
Por que o meu jeito tem que ser o jeito do outro? Por que se precisa de música pra dançar, razão pra sorrir e motivo pra chorar? Quem nos deu o direito de censurar, condenar e ridicularizar? Se não há um jeito único de ser, também não há – nem deve haver – um único jeito de pensar.
É... vivemos tudo errado. A semelhança não une, mas separa, justamente porque somos únicos e  não devemos ser iguais. Forçarmos uma igualdade fingida reforçar uma sociedade cada vez mais docente e cada vez mais hipócrita. Quanto mais queremos parecer uns aos outros e pros outros, mais é a distância que nos separa uns dos outros.

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