sexta-feira, 29 de junho de 2012

Vazio


Estou vazio por dentro: falta-me a vida nos olhos
E não há ritmo na batida do meu peito.
O que há em mim é só a vida que sobrevive.
Menos sorriso e quase nenhuma satisfação.

Sou como o criminoso que se rouba
Ou o doente que se contamina:
Sou o menos que se diminui mais
E o nada que se faz menos ainda.

Foge de mim o instante que já sabia não vir.
O sorriso que era a certeza do choro, esse não veio.
O choro, consequência do tolo sorriso, correu
Num dia em que me fiz vilão de minha própria história.

Sou menos do que jamais me permiti supor
E mais do que ninguém sei o quanto isso é pouco.
Vivo os dias até que não haja mais vida
Faço-os em vida até que me celebrem em morte.



terça-feira, 26 de junho de 2012

Eu preciso dizer que Te amo


“É que eu preciso dizer que te amo
Te ganhar ou perder sem engano.”
(Cazuza)

“Qualquer maneira de amor vale a pena.
Qualquer maneira de amor vale amar”
(Milton Nascimento)

Amar e ser amado. Ser amado ou amar. Amar sem ser amado. Ser amado sem amar.
De tempos em tempos me pego pensando que o amor é um sentimento supervalorizado. Não é tudo isso que dizem, muito menos é o tanto que esperam dele.
Amor é um sentimento que você sente, mas que não necessariamente outra pessoa sentirá. Nem por você, nem por ninguém e não porque essa pessoa é incapaz de amar ou não sabe amar, mas porque cada um tem o seu próprio jeito de amar.
O amor que eu sinto por alguém e o que você sente pelo seu alguém costuma ser sempre o mais bonito que você tem para oferecer e é a certeza disso que faz com que você queira que o sentimento que essa pessoa te sinta seja o mesmo que você sente e daí vem a insegurança, o pânico, o medo de não ter o sentimento correspondido. Ou pior: as vezes até o tem. As vezes somos amados de volta, mas o amor não se mostra como nós mostramos, não se vê como nós queremos enxergar e não se fala como nós gostaríamos de ouvir e daí, mesmo amados, somos injustos e julgamos que não souberam nos amar.
O medo de não ser amado tem feito com que muitas pessoas lutem contra a vontade de amar. Todos sabemos que somos felizes quando em estado de amor, todos sabemos a delícia de ser amado, a troca de carinhos que faz querer bem, que faz gostar mais, os instantes em que se quer estar “perto se longe e mais perto se perto”, mas quando sentimos, cada um ao seu modo tende a revelar seu medo, e a principal forma de medo é aquela que faz calar.
Eu te amo, mas não posso dizer.
É clássica nos filmes a cena em que um diz para o outro “te amo” e esse outro, desconcertado, diz para o outro “obrigado”. Esse é aquele instante em que espectadores de todo o mundo dizem, cada qual no seu idioma: “putz!”. Imediatamente nos vemos na situação do que disse sem ouvir e imaginamos o quão desagradável é se revelar sem que a recíproca seja a da mesma verdade. E é por isso que calamos.
E o amor passa a ser um jogo em que um fica esperando que o outro se mostre, para só então retirar seu próprio véu.
“Eu te amo, mas só te digo depois que você disser!”
“Eu preciso dizer que te amo, mas só depois de você!”
Calam seu próprio amor por medo. Ou vários medos dentro de um só. Medos, medos e mais medos que fazem com que o amor seja uma dor que se acumule ou uma angústia que cresce, num descontentamento que tinha tudo para ser contente. Mas o amor não pode ser isso. Seja lá o que o for o amor, ele não passa de um sentimento. E sentimento existe para ser sentido e experimentado.
Não há medo pior do que o medo de amar. Amar é sentir e sentir é viver, logo amar é viver e quem teme amar, teme viver e, se teme viver, já morreu antes mesmo de nascer.
Acredite, amar não é um jogo e dizer que ama não é um desafio.
Se o teu sentimento é bonito, sinta-o e viva-o por você, mais do que pelo outro.
Permita-se sorrir! Permita-se viver! Permita-se amar! Ser amado é merecimento, não é obrigação para ninguém.
Não se engane e, se ama, revele o amor que sente. Se sente, viva o amor que ama. Se não é amado, pior pra quem não te quis no que de melhor você tinha pra dar. Certamente ele te merece muito menos do que esse muito que você tinha para lhe amar.
Se como cantou Milton, “qualquer maneira de amor vale a pena; qualquer maneira de amor vale amar”, liberte-se de si mesmo e experimente a delícia de amar. Ser amado, é mera consequência: um prêmio que se receberá. 

domingo, 24 de junho de 2012

Sou Grilli porque ele era Grilli


Acho que ando correndo tanto e tão desatento que, se não tivesse sido lembrado pela manhã, talvez não me recordaria que hoje faz 13 anos que meu avô pai de minha mãe faleceu.
Lembro-me como se fizessem menos de 13 horas (e as vezes dói como se fosse assim): era uma quinta-feira quando, 24 de junho de 1999, por volta das 8 horas da manhã minha mãe abriu a porta do meu quarto para me acordar. Acordar a mim que, na noite anterior, havia me prontificado a estar com ela naquele dia de cuidados no hospital.
Naquele instante, tomado por um sono que me é comum até os tempos hodiernos, disse a minha mãe que não iria. Preferia ficar dormindo.
Compreensiva, deixou-me na cama como estava e foi terminar de organizar o que precisava.
Menos de cinco minutos depois e pulo da minha cama num estalo, dirigindo-me ao banheiro único da casa em que morávamos, dizendo-lhe que me aguardasse apenas um pouco e eu a acompanharia.
Naquela manhã fomos ao hospital ela, minha vó – sua mãe – e eu.
De Guarulhos até o bairro de Santo Amaro onde ficava o hospital foi uma longa caminhada num trânsito de São Paulo que, há 13 anos não era menos do que hoje.
Lá chegamos; encontramos a irmã de meu vô e sua filha que ali ficaram para lhe prestar assistência. O quadro não era auspicioso, mas no semblante havia certa paz.
O dia foi correndo minuto após minuto como nunca deixou de ser.
Por volta das 15 horas uma respiração cada vez mais pesada que exigia que, de tempos em tempos as enfermeiras fossem chamadas a que fizessem seu serviço, até que, por volta das 16h30 uma crise que – ainda não se sabia – seria a última que lhe viria.
Lembro-me de minha vó aflita assistindo um instante em que era clara a luta de alguém pela própria vida e minha mãe, como numa oração aos céus e numa súplica ao próprio pai, pedindo-lhe que, enfim, permite-se se descansar.
(na noite anterior, mesmo tendo tomado uma dose de remédio para dor que, segundo o médico, faria qualquer pessoa forte dormir por uma semana, meu avô tinha acordado e, com o piscar de olhos e apertar de mãos, comunicou-se com os 04 filhos, pediu que fizessem uma oração, lhe lessem a Bíblica e lhe cantassem alguns hinos da harpa. O médico, descrente, ainda dissera a minha mãe e seus irmãos: “- não acredito nesse Deus de vocês, mas alguma coisa de diferente há na situação de seu pai. Ele não poderia estar acordado.” O médico precisou ver com os próprios olhos).
As enfermeiras nos pediram que saíssemos do quarto. A angústia era um sentimento que não se permitia apenas sentir, mas mostrava-se nos olhos e nos rostos de nós três que estávamos ali.
Minha vó esquecera sua bolsa no quarto. Coube-me a mim busca-la. Ali entrei e, até hoje, trago a certeza de ter visto os últimos segundos do que seria a vida que mais me faria falta na minha vida.
Do tempo em que saí do quarto, por volta das 17h05 daquela tarde cinzenta de quinta-feira, passaram-se 10 minutos, até que a enfermeira viesse com a inevitável, porém triste notícia.
Naquela tarde de quinta-feira encerrava-se uma vida que pode se dizer vitoriosa. Uma vida que iniciara-se num dia 1º de novembro de 1939 (registrado no dia 04 de novembro). Ali acabava a vida terrena de um vencedor: bom marido, de gênio forte, mas amoroso; pai de 04 filhos; pastor de milhares de almas, de grandes igrejas, seguramente um dos maiores pastores das Assembleias de Deus no Brasil; então avô de dois netos; sogro de 01 genro e 03 noras. Ajudador dos que recorriam a si.
Até que ele fosse não conhecia quem me fosse próximo que tivesse ido e depois que ele partiu, foi-me boa a vida no sentido de permitir que ninguém mais partisse. Mas até hoje dói.
Meu avô, Perácio Grilli, nome que ganhou em homenagem a um jogador da Seleção Brasileira que disputou as copas de 1934 e 1938, morreu de câncer. Uma morte anunciada em dois momentos diferentes: o grupo de jovens da Assembleia de Deus de Osasco foi visitar a igreja do Jd. Vila Formosa. Não era hábito dele acompanhar essas saídas, mas como era uma igreja de uma região em que ele morou e vizinha de uma outra de que foi pastor, resolveu que iria. Era junho ou julho de 1998. Até então, meu avô vendia saúde. Homem grande que raramente se gripava. Ao final do culto, enquanto cumprimentava e era cumprimentado, uma senhora se aproxima de minha vó. Minha vó não a conhecia e ela não conhecia minha vó. Essa senhora a toca no ombro, chama sua atenção, aponta na direção de meu avô e lhe diz: “Deus manda avisar que meu servo já está preparado!”
Como se aproximou, essa senhora se foi. O choque de minha vó foi tal que ela não comentou com ninguém. Certamente quis desprezar aquela palavra no seu coração. Calou.
Setembro de 1.998: a igreja de Osasco comemorava seu Jubileu de Ouro. Após uma grande e difícil reforma, uma semana de programações para comemorar os seus 50 anos. Num dos cultos, o preletor da noite, Pr. Samuel Bezerra, parou a palavra  e disse mais ou menos assim: “Deus está me incomodando para que eu diga algo. Não ia dizer. Estou calando, mas Ele me manda dizer: Ele tirará uma rosa muito valiosa desse seu jardim e muitos não entenderão, mas não é para se questionar. Ela já está pronta!”.
À noite, quando chegamos na casa de meu avós, à mesa de jantar meu avô, taciturno como era raro, confidenciou: senti que aquela palavra foi para mim.
Outubro de 1.998: uma forte dor no peito e desconfia-se de um infarto. Levado às pressas ao hospital, fica de observação e a equipe médica solicita uma biópsia do pulmão. Não era um problema cardíaco e o diagnóstico não podia ser pior: câncer. O pior e mais astuto dos cânceres.
Não sei precisar o dia, mas tenho por certo que foi uma quarta-feira a tarde quando, tendo meu avô descansando no quarto que era de minha irmã, minha mãe talvez sem saber como dar a notícia, me vê deitado sobre sua cama e me diz: “não faça muito barulho. Seu avô está com câncer”. Ele ainda não sabia.
Aquela notícia me caiu como uma bomba. Na insignificância dos meus 13 anos, o que me veio a mente foi um sonho sonhado semanas antes em que eu via, num cenário muito escuro e enevoado, um caixão no centro da igreja de que meu avô era pastor e duas pessoas conversavam quando uma perguntava para a outra: “do que ele morreu?” e a outra dizia: “câncer”.
No sonho eu não via quem estava no caixão, mas não era preciso ver.
O abatimento tomou conta de todos. Havia, naquelas primeiras semanas o paradoxo de quem queria acreditar que o Deus que se pregara e se ouvira naquela casa faria o milagre e mostraria a grandiosidade de Seu poder, contra o medo do inevitável pior.
Todas as noites, em minha casa, a família se reunia e fazíamos um período de cânticos e outro período de oração. Dia sim, dia também, todos prostravam-se e pediam pelo que julgavam que viria.
Na igreja, até então, havia rumores, mas nenhuma confirmação. Por alguma razão que não me recordo, esse problema particular não foi transmitido de imediato. Notava-se a estranheza na ausência de um pastor sempre presente.
Antes que se desse a notícia para a igreja, a visita de uma senhora bastante respeitada com um recado. Ela disse que, enquanto lavava louças, uma voz lhe ordenara que fosse até meus avós e lhes dissesse que Deus já havia preparado aqueles que “poriam às mãos no meu avô”. E não poderiam ter sido mãos melhores. A médica oncologista que lhe tratou tinha acabado de perder um pai com o mesmo câncer e tratou do meu avô como quem trata do próprio pai; o enfermeiro contratado, quando soube que meu avô era pastor, revelou-se evangélico e, por vezes, considerou sequer cobrar pelos seus serviços. A fisioterapeuta era de um cuidado que ia além do profissionalismo.
Mas a roda da vida continuava a rodar e a doença, cruel como só ela, estava ali.
Culto de Natal de 1998: é chegada a hora de comunicar à igreja. Àquela altura as sessões de quimioterapia já debilitavam um corpo atacado por um câncer poderosíssimo. A família apresentou dois louvores naquela noite: “Eu não me esqueci de ti” e “Quisera sempre orar”. Encerrado o louvor foi dada a palavra a meu avô que noticiou para a igreja o deserto que atravessava. Como homem de Deus que se soube, disse ter fé de que o tratamento que fazia seria como as águas do rio Jordão foram para Amã; que os remédios que tomava seriam como o lodo que Jesus passou nos olhos do cego e que em breve veria o relógio de Acaz andar para trás e receberia a resposta de Deus.
A igreja em prantos, pedia a Deus por Sua misericórdia.
Àquela altura, o médico já tinha lhe dado não mais que 06 meses de vida. Pediram ao médico que não lhe dissesse que esse era o prognóstico porque seria uma notícia assaz devastadora, no que o médico deu de ombros e disse que se passasse por meu avô lhe diria. O médico não disse, e os meses que não seriam mais do que 06 se meu avô fosse muito forte, foram quase 08.
Meu avô foi velado como se fosse um Chefe de Estado. Centenas de pastores de toda a região Sudeste, Goiás e Brasília compareceram à cerimônia e ali contaram histórias acerca daquele homem que, soube eu ali, despertava toda sorte de admiração em homens que também despertavam admiração.
Mais de 2 mil pessoas passaram por aquela igreja.
Lembro-me que quando o Quarteto Alfa cantou pela manhã “Mais perto quero estar”, foi quando a ficha caiu. Meu avô estava perto de Deus e, para sempre, longe de mim.
A marginal do rio Tietê parou para que os batedores da polícia guiassem o cortejo fúnebre até o Cemitério da Vila Alpina, numa fila de carros que, certamente, poucas vezes se viu naquela cidade de São Paulo.
Confesso que tenho vários momentos em que acho mais fácil descrer em Deus do que crer. Muitas vezes, para parafrasear Vinícius, “quero crer, mas não consigo. É tudo uma total insensatez”, mas é a lembrança do meu avô, seu exemplo e tudo que permeou sua passagem dessa vida, que me mantém um mínimo de sanidade espiritual.
Note-se que, as dores de câncer aumentavam quando lhe davam morfina, mas sumiam quando tomava um simples relaxante muscular.
Hoje ficam a lembrança e a saudade. Não houve um dia nesses 4749 dias em que eu não desejei pelo menos mais um dia com meu vô.
Foram várias as noites em que acordei de um sonho em que ele parecia muito vivo e tudo que eu queria era poder ter a chance de sentar no chão e ouvi-lo falar. É poder beijar-lhe a face, dizer que amo e que ele não se atrevesse a morrer outra vez, porque a falta que ele faz é brutal.
Milhares conheceram o pastor; 04 conheceram o pai; outros 04 o sogro. 01 conheceu o esposo, mas o avô amoroso, docemente severo quando precisava ser, desses que ficava bravo se eu falasse de horóscopo ou cantasse em falsete querendo imitar algum cantor de rock, esse avô que fazia de tudo para ver um sorriso dos netos e que ficava bravo se lhe mexiam o jornal, esses só conhecemos Lilian, minha irmã, e eu. E como ele faz falta.
As vezes me pego olhando para o céu desejando que fosse verdade que algumas daquelas estrelas fosse ele olhando por mim. Mas ele não me haverá. Olho meus dias e vejo que me aproximo do tempo em que a maior parte da minha vida será uma vida sem a presença dele e me pego temendo esquecer o tom de sua voz, as formas do seu rosto, guardando apenas algumas lembranças pontuais suas. Mas o tempo, mesmo cruel, não é tão poderoso assim.
Hoje faz 13 anos. Daqui alguns anos serão 30 e, se eu tiver sorte e saúde, passarão mais de 50 anos, e não haverá ano, não haverá mês ou dia em que eu não lembrarei de meu vô como exemplo, com carinho e sempre com o mesmo ou ainda maior amor.
Dessa linhagem do tronco que vem de seu pai, os Grillis continuarão, porque, se ele era Grilli, Grilli também eu sou.
Onde quer que ele esteja, que ele sempre receba o beijo meu.